sábado, 11 de fevereiro de 2012

A mira certeira de Davi


Com um simples instrumento rudimentar e muita perícia, um franzino pastor servo de Deus derrubou um gigante e começou uma importante era da história de seu povo



Na série “Rei Davi” (foto acima), da Rede Record, foi mostrada uma das mais famosas lutas da história mundial: a do pequeno pastor de ovelhas Davi com o gigante guerreiro filisteu Golias. O grande e temido soldado, munido de forte armadura, espada, elmo e escudo, foi derrubado por uma pedrada certeira na testa, que o garoto hebreu lançou habilmente com uma das armas mais simples e primitivas criadas pelo homem, a funda.

Como pode uma simples pedra ter derrubado um gigante, justamente em seu único ponto vulnerável? A funda é uma atiradeira rudimentar usada por muitos povos antigos (já foram encontrados exemplares dela em estudos arqueológicos sobre os gregos, romanos e até mesmo os primitivos australianos). Imprime uma força tão grande a uma pedra relativamente pequena, que ela tem o poder de destruição bem parecido com o de algumas armas de fogo da atualidade.
Alguns exércitos da antiguidade tinham até mesmo uma divisão de atiradores de funda, chamados fundibulários, ou fundeiros. O papel deles era fundamental, pois um projétil lançado pelo equipamento pode chegar a uma velocidade de até 100 quilômetros e alcançar cerca de 200 metros de distância (há relatos antigos de atiradores que conseguiam alcançar quase o dobro disso com suas pedras). No famoso Livro Guinness dos Recordes consta que a maior distância alcançada (e registrada) por um objeto lançado por essa arma é de 477,1 metros, com uma funda de 127 centímetros. Conforme o registro, o autor da façanha é David Engvall, da Califórnia, Estados Unidos, em 1992, que usou um projétil de 62 gramas.
As pedras usadas para fundas eram, geralmente, redondas, escolhidas com cuidado entre seixos rolados de rios (como Davi o fez, no riacho de Elá). Após muito treinamento, a pontaria certeira permitia que os fundibulários usassem a arma tanto na guerra quanto para caçar. As pedras de funda eram mais certeiras e tinham mais alcance que flechas, e causavam um estrago maior ao alvo (algumas penetravam as blindagens de armaduras e, mesmo que não as perfurassem, derrubavam os guerreiros dentro delas pelo enorme impacto, às vezes fraturando costelas ou danificando irreversivelmente alguns órgãos). Também perfuravam partes do corpo sem proteção, conforme a distância.
Era muito comum, como é até hoje em regiões menos desenvolvidas, que pastores usassem a rudimentar arma para defender seus rebanhos de predadores ou ladrões. Ainda hoje, aborígines australianos usam fundas, assim como pastores tibetanos.

Como funciona
Basicamente, uma funda consiste em uma correia ou corda (de couro ou, nos dias de hoje, até mesmo de material sintético) que tem (não obrigatoriamente) no centro uma “baladeira” (pedaço de couro ou outro material resistente em que se deposita a pedra). Em uma ponta da corda ou correia, um laço ou anel que se prende ao dedo médio. A outra ponta é segura pela mesma mão. Rodando a funda usando o peso em sua extremidade (na baladeira), a pedra recebe uma força tal que, quando é solta a ponta sem laço, percorre um grande espaço em grande velocidade, com enorme força de impacto.

Davi era um fundibulário profissional. Sabia a posição certa em que a pedra deveria estar no círculo para que a ponta da funda fosse solta na hora certa, arremessando o projétil exatamente no ponto em que mirava. Treinou desde criança com o instrumento, como era comum entre os meninos e pastores.
Guerreiro inesperado
Por ser franzino, Davi não participava com os maiores e mais velhos das batalhas de seu povo. Seu pai, Jessé, ordenou que fosse ao local de uma batalha que estava ocorrendo (o vale do Elá), para levar comida para seus irmãos maiores. Quando o garoto chegou ao Elá, Golias desafiava os hebreus. Davi, confiante em sua pontaria, aceitou o desafio. Não quis usar armadura, pois todas eram grandes demais para ele, e lhe tiravam a mobilidade. O rei Saul, curioso pela argúcia do menino, permitiu que ele tentasse. O pequeno pastor, ágil, pôde usar uma arma que o permitia, prudentemente, ficar a uma distância muito segura do gigante (de corajoso ele tinha muito, mas de bobo não tinha nada). Se Davi errasse, dificilmente o grande e pesado filisteu alcançaria, numa perseguição a pé, o rápido e leve hebreu.
Das cinco pedras que escolheu cuidadosamente no riacho próximo (arredondadas, pouco menores que uma bola de bilhar, como era de costume na época), o garoto acertou a primeira. O brutamontes caiu, atingido na fronte. O menino se apressou, apanhou a grande espada do adversário e decapitou-o. Humilhados pela perda de seu campeão, os filisteus não tiveram alternativa e engoliram a derrota.

Extremamente simples, mas eficaz
Uma funda é um instrumento por demais simples e primitivo, mas requer uma perícia que depende de muita preparação e inteligência. Se a pedra for solta no momento errado, na posição errada do círculo que ela faz ao ser rodada, pode ir para outro lado que não o desejado. De nada adiantam as melhores armas nas mãos de quem não as manuseie com perícia. Para isso, o fundibulário aprende, instintivamente, a calcular a velocidade certa, conforme a distância, a intensidade e a direção do vento e até mesmo o tamanho certo da pedra, para que ela corte o ar com eficiência e atinja o ponto desejado.

O estudo da propulsão da pedrinha pela funda permitiu, milênios depois, que o mesmo tipo de impulso fosse usado em naves espaciais. Quase o mesmo princípio foi usado na época da missão Apollo, da NASA, em que várias vezes homens estiveram na Lua. Na volta, os módulos lunares subiam do satélite, percorriam uma volta em torno dele e aproveitavam o impulso gravitacional para se lançar de volta ao espaço, com a ajuda dos propulsores, em direção à Terra. É como se o centro da Lua fosse uma mão que segurasse a funda, girando-a com a nave na baladeira, jogando-a. Esse impulso permitia que não fossem necessários os propulsores após o “empurrão” para fora da órbita lunar, a não ser para corrigir a rota em alguns momentos, e os astronautas estavam de volta ao seu planeta.
Tanto no caso dos corajosos viajantes do espaço exterior quanto no episódio do pequeno pastor que venceu um gigante, de nada valeria o instrumento, simples ou com tecnologia de ponta, sem a perícia e a confiança de seus operadores. No caso de Davi, além de confiar na mira treinada por anos, tinha certeza, pela fé que tinha em Deus, que Ele o guiaria para salvar seu povo dos filisteus.

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